Há poesias que te pegam logo de
início, talvez por serem “pop” demais. Nada que também comprometa a sua
qualidade. Mas há outras poesias que exigem um olhar mais arguto do leitor.
Nada que também signifique hermetismo, mas talvez poesias que você não consiga falar uma frase sequer da primeira vez que as lê. Fica uma exclamação no silêncio,
morando em aporias que estão “pedindo pra sair”, exigindo, por assim dizer, uma
organização do inorganizável, que é o cosmos onde mergulha a linguagem poética.
Mas, nesse caso, o empenho em falar pelo entorno daquela escrita se torna uma
tarefa mais instigante. Rapace (2012),
o segundo livro de André Capilé é um desses livros. O babado ali é forte.
O que
mais impressiona é a capacidade laboriosa de enxugar os versos, torná-los tão
sofisticados ao ponto de nenhuma palavra ser dispensável – característica que é
não pra qualquer um – ao mesmo tempo em que o alcance de seus versos chega ao ponto
em que nenhuma forma fixa é capaz de aprisioná-los. Seja pela organização
espacial, pela escolha vocabular, pela versificação que transita do soneto ao
verso livre ou pelas rimas nas sílabas tônicas, Capilé se liberta pelo trabalho.
Mas a coisa não parece tão simples assim. O urubu precisa se expor ao dia e à
noite, “atento ao frio / feito um bicho”, como no poema que leva o título da
ave-rapace, ou desse mamute “que não / sabe ser / sutil com / a dentição // exposta”.
A enunciação tenta a todo custo se esconder, muito embora, inevitavelmente,
acaba falando de si (lembro de João Cabral: “Sempre evitei falar de mim,/
falar-me. Quis falar de coisas./ Mas na seleção dessas coisas / não haverá um
falar de mim?”), e na total anulação de uma memória, de uma experiência ou de
um momento da vida que não seja exatamente pontos vitais como a planície da carne,
o corpo, ou criações de vida como o presente e o verbo.
tá com nojo, moço?
fica tranquilo
sagrado o sossego da chuca
segura a pemba
agora vai
me chupa
Capilé não poupa essas pequenas
provocações. E isso também torna o livro mais potente. Em termos de metalinguagem
é exemplar, como em “a economia não presta sem que avalie o risco”
(ferramenta), ou “se de tudo / o todo resto // não fosse mais / que esse // nhenhenhém”;
em certos pontos até conseguimos reconhecer alguma influência, a começar pelo
ABC de Pound. Mas, acima de tudo, Capilé é um dos bons da nova poesia
brasileira e isso já pode ser percebido. Tenho certa desconfiança de que o
próximo livro (há rumores tímidos de que se chamará CHABU) virá, assim como Rapace, com grande
força. Estaremos aqui atentos, mais ou menos espantados com o resultado do corte do esmeril: com o arranhão da unha do carniceiro.
O livro Rapace foi lançado pela Texto Território e, caso você não o leia, o
olho do urubu estará sempre a lhe perseguir através da lombada.
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